quarta-feira, 5 de maio de 2010

LÁPIS-CORPO.

Andava repensando a trajetória de alguns encontros passados banais que, hoje, se consolidam como grandes pérolas. Pensei em um moço, Arthur Araújo, colega até o momento que aqui coloco. A felicidade embutida na tristeza: aproximamos-nos quando eu perdi meu menino e ele sua garota. Na lacuna, então em branco, de companheirismo, encontramos amizade.
Noitadas repetidas, diárias e de perca de saliva; não só pelos incontáveis e longos papos sobre arte, vida (dissociáveis?), relações e todos esses etecéteras supérfluos... e tão relevantes, mas, também, pelas doses de vodca que inspiravam e esticavam estas situações. Quanto mais manhávamos sobre nossas perdas, de forma torta, mais nos aproximávamos.  E assim foi por meses. Amizade, ressaca.
Pensava sobre minhas limitações físicas e a tudo que tinha me submetido. Não queria mais me machucar. Não queria mais sofrer. Não tinha força nos meus ideais. Perambulava doido para produzir mais alguma coisa que me atingisse... e doesse! Conversávamos, uma noite bêbada dessas, sobre como tudo que eu atacava respondia da mesma forma: não sofria a mínima lesão e me destroçava. Não pretendia evitar este auto-destroçamento mas, concomitantemente, queria conseguir infligir a coisa que fosse que eu estivesse atacando. Sou atacado, mas quero agredir também.
Andava, ainda ando com os mesmos calçados de reflexão, com o impulso e a intransigência de sempre usar a mesma roupa preta para tudo que pretendia apresentar aqui ou ali. Pensava em atacar algo que fosse, ao menos visualmente, como eu. Cor de pele, roupa preta. Fui longe nisso... Pensei em baleias orca, fraques, pingüins, ursos panda e me incomodava, cada vez mais, por essa fissura com a fauna – o que não me interessava nem um por cento na época. Resolvi esquecer estes pensamentos.
Outra noitada de vodca e brincava com um lápis. Impressiona-me ainda como as soluções estão sempre logo ali, sempre óbvias, e este meu (talvez nosso) cérebro se nega a processar o que é simples. Percebia, provavelmente em visão dupla e embriagada, o lápis: preto, madeira... algo próximo à minha cor de pele. Tinha achado meu irmão gêmeo de diferente natureza material.
Estratégias para atingir um lápis. Sempre pensei em espaços, lugares, algo em que eu fosse parte minúscula ou, ao menos, inclusiva naquele ambiente. Um lápis...muito abaixo de mim. Covarde eu de atacá-lo e, além disso, como algo desta dimensão poderia me machucar sem que eu o enfiasse em mim ou alguma ação do tipo, que fosse fora do costume do comportamento e uso de um lápis?
Ponta ruim. Aponto o lápis. Encontro poesia em uma ação simples: consegui agredir o lápis em seu costume de função comum. Mas isto, fisicamente, não me atinge. Até onde eu iria se esse lápis tivesse umas 10 vezes a mais, aproximadamente, o seu tamanho? Resolvi apontar 150.
Bolhas, sangue na mão, tremedeira na mão, câimbra na mão. Muito grafite. Muito desgaste; em amplos sentidos.

3 comentários:

  1. lindo, Fe.

    boas noitadas de vodka, hein. bons tempos.

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  2. ah... que linda foto....

    essa foi a primeira performance que vi sua. me tocou bastante. Tinha me intrigado mais que tudo. Ainda não te conhecia. depois de anos fui trabalhar numa escola infantil. Antes das aulas começarem, tive de apontar muitos lápis. E só pensava nesta tua performance. Dói horrores apontá-los.

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  3. http://autochoque-io.blogspot.com/2010/05/autochoque-um-ensaio-para-impactos.html

    chamou atenção com alguma coisa que diz respeito a você; bjs

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